Essa é a biografia de Hiroshi Yamauchi.
Hiroshi Yamauchi foi durante 53 anos o presidente da Nintendo. Tendo assumido esse cargo desde muito jovem, e conhecido por ser arrogante e petulante, Yamauchi revolucionou a indústria dos games e transformou uma empresa que era tradicional do ramo de fabricação de cartas Hanafuda em uma megacorporação de produtos eletrônicos que liderou o mercado em diversas situações. Um homem vivo, corajoso e repleto de ideias que construiu sua reputação com muito trabalho. Vale a pena conhecer mais a fundo a vida e obra desse homem tão importante para a indústria dos games, além de ser exemplo de vida.
PARTE 1 - PROBLEMAS FAMILIARES
Hiroshi Yamauchi nasceu em Kyoto, cidade central da ilha de Honshu, no Japão, em 7 de novembro de 1927.
Yamauchi é filho único de Kimi Yamauchi, a neta única de ninguém menos do que Fusajiro Yamauchi, o próprio fundador da Nintendo. Na época, a Nintendo era uma empresa conhecida pela manufaturação de cartas de jogo, próprias para um jogo de cartas japonês chamado Hanafuda. A empresa já era razoavelmente conhecida e o orgulho máximo da família Yamauchi. Kimi se apaixonou e se casou com Shikanojo Yamauchi, um artesão de uma família tradicional de artesãos de Kyoto. Em 1927, nasceu seu único filho, Hiroshi. Todos esperavam que Shikanojo fosse continuar com o legado de Fusahiro quando ele se aposentasse. Mas isso não aconteceu. Quando Hiroshi tinha seis anos, em 1933, seu pai, abandonou sua esposa e a família e foi embora de casa. Sem se separar, ele simplesmente pegou suas coisas e foi embora misteriosamente, sem dizer aonde ia e sem nunca mais voltar.
Kimi Yamauchi caiu em desgraça após ser largada pelo marido. Em depressão, decidiu se mudar e ir morar fora de Kyoto, com sua irmã. Já o pequeno Hiroshi continuou morando em Kyoto, na casa de seus avós, Sekiryo e Tei Yamauchi. Em 1929, Fusajiro já havia se aposentado, aos 70 anos, da presidência da Nintendo, e desde então Sekiryo era o presidente. Ou seja, Hiroshi estava sendo criado pelo presidente da Nintendo, e era o único herdeiro. Todo o peso de ser o futuro herdeiro do império da Nintendo caía sobre suas costas. A pressão era constante, já que Hiroshi estava sendo preparado desde a infância para herdar a empresa. Ele tinha de ser o melhor em tudo. Isso fez com que Hiroshi tivesse uma infância conturbada. Ele odiava seus avós, era arrogante e imprudente, além de ser muito mimado. Mas era muito inteligente.
Aos doze anos, sua família o colocou em uma escola preparatória para a Universidade. Ele sonhava com os cursos de engenharia e de direito. Porém, em 1939 começou a Segunda Guerra Mundial, e ele foi forçado a deixar seu sonho de lado por um tempo. Como ainda não tinha idade para lutar na Guerra (tinha apenas 12 anos quando tudo começou), foi forçado a trabalhar em uma fábrica de armas bélicas. E ele nunca deixava de estudar, já que sempre frequentava a escola depois do trabalho.
Em 1945, a Guerra acabou, e Yamauchi pôde dar sequência ao seu sonho. Entrou no curso de direito pela Universidade tradicional particular de Waseda. Conheceu uma jovem chamada Mishiko Inaba, descendente de samurai e herdeira de uma pequena loja de anteparos, com quem se casou. Foi um casamento notório e tradicional. Hiroshi estava feliz.
PARTE 2 - NINTENDO SOB NOVA DIREÇÃO
Mas as coisas não seriam assim tão fáceis. Em 1949, o avô de Hiroshi Yamauchi, Sekiryo, sofreria uma forte parada cardíaca. Ele quase morreu, e foi o suficiente para que decidisse criar seu testamento. Ele queria que Hiroshi assumisse a Nintendo, mas, para surpresa de todos, Hiroshi se recusou. Não queria assumir a empresa, pois teria de largar a universidade e se dedicar a algo que nunca gostou na vida. Ele sofreu pressão por todos os lados, afinal de contas, uma empresa tão tradicional e o maior orgulho da família não poderia sair das mãos da família Yamauchi.
Hiroshi acabou mudando de ideia, mas ele fez uma série de imposições. Só aceitaria o cargo se ele fosse o único Yamauchi na empresa. Ele dizia isso porque o primo dele, um desafeto desde a infância, trabalhava na empresa. Sekiryo não teve escolha a não ser demitir seu primo, quem ele gostava. Após ver todas as suas vontades adquiridas, Hiroshi finalmente aceitou se tornar o terceiro presidente da Nintendo. Em 1949, com apenas 22 anos, ainda era arrogante, pretensioso e imaturo, mas não havia outra escolha. Poucos meses depois, Sekiryo morreu de infarte fulminante.
É claro que sua posição na presidência seria fortemente questionada dentro da empresa. Os mais velhos diretores da empresa, que atuavam desde a época de Fusajiro, questionavam sua total falta de preparo e inexperiência, sua juventude e sua rebeldia e ambição. Queriam nomear pessoas conhecidas e mais capazes de gerir a empresa. Hiroshi não gostava da ideia de ter inimigos dentro da sua própria empresa, e mandou demitir toda a velha guarda, um por um. Até mesmos diretores tradicionais da empresa e amigos pessoais do fundador da Nintendo, ninguém foi poupado. Mandou todos embora, fez uma limpeza geral, e mandou contratar novas pessoas para cada um dos cargos. Hiroshi queria pessoas jovens e competentes, e que, acima de tudo, respeitassem sua autoridade sem questionamentos.
Hiroshi pouco falava com sua mãe, com quem mantinha um relacionamento bem distante. Já seu pai, desde que fugiu, não havia sido visto e nem entrado em contato. Hiroshi cresceu ouvindo que seu pai era um inútil e imprestável, coisa que não era verdade, mas que tornava sua falta mais aceitável. Até que, um dia, pouco após ele assumir a presidência da Nintendo, seu pai apareceu. Estava muito doente, e solitário, e pediu para ver seu único filho. Hiroshi se recusou a atendê-lo. Pouco tempo depois, veio a notícia de que seu pai veio a falecer, de parada cardiorrespiratória, e Hiroshi resolveu comparecer ao seu enterro. Ele se arrependeu de não ter se despedido de seu pai quando teve a chance, e desde então tem feito visitas regulares à campa de seu pai no cemitério.
Em 1950, nasceu a primeira filha de Hiroshi e Michiko, a pequena Yoko. Desde o nascimento de Yoko, Michiko tem estado muito doente, e geralmente ficava de cama. Yoko tinha pouca relação com seu pai, que estava sempre trabalhando e passava poucas horas em casa. Hiroshi era um homem muito ocupado, tinha de tomar decisões difíceis todos os dias, e a Nintendo lhe consumia todo o tempo. Aos poucos, Yoko começou a pegar raiva da empresa de seu pai. Em 1957, nasceu mais uma filha, Fujiko, e pouco depois nasceu um menino, Katsuhito.
Hiroshi sempre foi ambicioso. Monteu a base de operações da empresa em Kyoto, perto de sua casa e sua família. Sabia como fazer dinheiro, mas via que a empresa estava estagnada. Ele queria aprender tudo o que pudesse sobre o ramo. Em 1956, foi para os Estados Unidos visitar como era o grupo da United States Playing Card Company, a maior empresa fabricante de cartas do mundo inteiro. Ele ficou pasmo ao ver que a empresa conseguia manter apenas um pequeno escritório, tinha poucos funcionários e estava acumulando dívidas. Hiroshi temia que o mercado de cartas estivesse em declínio, e precisava inovar.
Hiroshi conseguiu, em 1959, um acordo especial com a Disney. Cartas especiais com os desenhos da Disney poderiam ser comercializados agora pela Nintendo. Isso fez com que as vendas aumentassem muito. Mais de 600.000 cartas foram vendidas em apenas um ano, um número recorde. A Nintendo teve um aumento absurdo nas vendas sob sua direção, contrariando as mais otimistas expectativas. Mas não era o bastante. Hiroshi sabia que o mercado estava em declínio, e que era hora de mudar. E radicalmente.
PARTE 3 - MARES DESCONHECIDOS
Em 1963, Hiroshi mudou o nome da empresa de Nintendo Karuta Co. Ltd para Nintendo Co. Ltd. "Karuta" significava jogos de cartas. Com a mudança de nome, Hiroshi deixava claro sua intenção: explorar novos ramos de negócios. Seria ousado e pretensioso, pois desde sua fundação, a Nintendo havia sido uma manufatora de cartas de jogo. Mas Hiroshi havia economizado uma boa grana para poder fazer essa adaptação, e sua equipe confiava nele. Ele possuía um pessoal especializado que iria lhe ajudar a entrar nesses mares desconhecidos dos negócios.
O começo foi totalmente aleatório. Hiroshi não tinha a mínima ideia de onde iria recomeçar. Tentou uma companhia de táxis. Não deu certo. Tentou uma rede de motéis. Não deu certo. Tentou um canal de televisão. Também não deu certo. Tentou até uma rede de comida japonesa, vendendo arroz e macarrão instantâneo. Também não deu certo. A Nintendo navegava sem rumo. Com o dinheiro sendo investido em outros ramos, a produção de cartas ficava sem ser investida. Após as Olimpíadas de Tóquio em 1964, o mercado japonês diminuiu muito o ritmo, e a produção de cartas sentiu o golpe. A empresa estava começando a dar prejuízo. E o dinheiro estava acabando. Não sobrava muita coisa, eles não poderiam passar muito mais tempo tentando e tentando. Teriam de ter um foco: se pretendiam voltar a crescer, tinham de escolher um ramo da indústria e investir pesado nele, para dar certo. Mas qual ramo?
E então, uma coisa aconteceu por acaso. Hiroshi Yamauchi estava caminhando quando ele viu um homem trabalhador de uma fábrica brincando na hora de almoço. Seu nome era Gunpei Yokoi.
Yokoi estava brincando com uma garra mecânica. Ele era engenheiro, e desenvolveu aquela garra mecânica sozinho, para se distrair durante o horário de almoço. Era um brinquedo próprio e muito engenhoso. Yamauchi gostou do brinquedo e pensou em produzi-lo. Ele poderia pagar a Yokoi para que ele desenvolvesse um projeto daquela garra mecânica em parceria com ele. A Nintendo possuía uma rede de distribuição muito boa, com lojas de cartas espalhadas por todo o Japão. Yamauchi só precisaria criar uma divisão de games e entretenimento. Sendo assim, em 1969, montou uma pequena fábrica nos subúrbios de Kyoto e, com a ajuda de Yokoi, desenvolveu milhares dessas garras mecânicas. A chamaram de Ultra Hand, e a colocaram à venda em todas as suas lojas.
O Ultra Hand foi um grande sucesso. Venderam muitas unidades e gerou um lucro fantástico. Yamauchi percebeu então que o ramo de brinquedos estava em pleno crescimento, e decidiu voltar a Nintendo ao foco de trabalhar com brinquedos. contratou Yokoi e o deixou desenvolvendo novos brinquedos no armazém em Kyoto. Yamauchi deixava Yokoi livre para desenvolver aquilo que ele achasse que seria bem vendido. Não o pressionava, apenas deixava a sua genialidade funcionar.
Yokoi começou a desenvolver produtos eletrônicos de entretenimento, como o Love Tester:
E então começaria uma nova era para a Nintendo.
PARTE 4 - A NINTENDO E OS GAMES
O ramo do entretenimento estava mudando muito rapidamente. Os brinquedos deixavam de ser simples, como bonecas e carrinhos, para serem mais complexos e engenhosos, exigindo trabalhos variados e engenharia na sua produção. Após o surgimento dos brinquedos eletrônicos, Yamauchi começou a perceber a evolução dos brinquedos ligados à TV. Chamados de video games, esses brinquedos ligavam-se à TV e passavam uma série de imagens interativas por um controle. Nos Estados Unidos, esses videogames eram uma febre, e faziam fortunas. A Atari e a Magnavox disputavam popularidade com seus jogos variados e divertidos. E foi aí que Yamauchi percebeu que nenhuma das duas empresas trabalhava no Japão.
Yamauchi entrou em contato com a Magnavox e fechou acordo para que a Nintendo fosse a distribuidora oficial de produtos do Magnavox em território japonês. Suas lojas então vendiam os produtos Odyssey, e vendiam muito bem. Mais tarde, passaram a comercializar também os Color TV Games.
Além de vender apenas consoles caseiros, uma nova febre nos Estados Unidos também eram os arcades, os consoles maiores e mais potentes que possuíam jogos mais interessantes. Yamauchi resolveu então entrar para o mercado dos arcades, primeiramente exportando e distribuindo os arcades no Japão, em suas lojas. A Nintendo começou a trabalhar em 1975 com diversos arcades. Posteriormente, ela começou a desenvolver seus próprios jogos. Gunpei Yokoi contratava pessoalmente os designers. Ele postou um anúncio em um jornal, e, em 1971, Genyo Takeda respondeu. Recém-formado na universidade, foi contratado como o primeiro designer de games da Nintendo, e produziu EVR Race em 1975.
Em 1977, a Nintendo iria contratar um garoto jovem e promissor, escolhido a dedo por Gunpei Yokoi, chamado Shigeru Miyamoto. Inicialmente, faria apenas o design de imagens de caixas de produtos e de cabines de arcade. Mas, conforme seu talento foi sendo reconhecido, Miyamoto passou a se tornar designer de games também. E seria ele a desenvolver, em 1981, o primeiro hit da Nintendo nos arcades, Donkey Kong, o que seria um marco enorme na indústria de games como um todo.
Mas antes disso, em 1979, Yamauchi resolveu dividir as equipes de pesquisa e desenvolvimento da Nintendo em três equipes, que deveriam competir entre si por novas ideias. Uma das equipes, a Research and Development 1, liderada por Gunpei Yokoi, visava estender a participação da Nintendo nos consoles caseiros. E ele teve uma ideia: ao invés de vender o console doméstico dos outros, porque não desenvolver seu próprio video game? Yokoi ficou contente com a ideia e prometeu tentar projetar um video game. Mas não poderia ser um videogame semelhante ao Odyssey ou ao Atari, teria de ser algo mais inovador, algo que alavancasse as vendas de verdade, de modo a poder competir com as outras empresas. Algo original e único, e ao mesmo tempo superior aos demais.
Yokoi então resolveu buscar inspiração. Ele saiu pelas ruas em busca de algo que lhe fizesse ter uma ideia. Foi aí que ele viu um homem de negócios, na popular avenida Shinkansen, sentado no chão e apertando os botões de uma calculadora LCD apenas por diversão. Yokoi então teve um estalo: porque não fazer um videogame portátil, que pudesse ser levado para qualquer lugar? O videogame poderia ser semelhante a uma calculadora, e do tamanho de uma, de modo a ser leve e portátil. E poderia funcionar como relógio, também, tendo múltiplas possibilidades. Ele apresentou a ideia a Yamauchi, que adorou, e logo começou a desenvolver o projeto. Em 1980, a Nintendo lançou o Game&Watch.
Foi um enorme sucesso de vendas. O sucesso foi tão grande, na verdade, que suas vendas superavam o lucro com os arcades. Animou Yamauchi. Foi uma das mais brilhantes criações de Yokoi. E seria apenas o começo de uma longa trajetória na Nintendo na produção de hardware para games.
PARTE 5 - UM PARAÍSO PARA DESENVOLVEDORES
Após construírem o primeiro console portátil a ser bem sucedido no mundo, Yamauchi ainda queria mais. Queria um console caseiro que fosse muito superior aos demais consoles existentes no mercado e que, ao mesmo tempo, ainda fosse fácil de se programar games para ele e que fosse barato o bastante para cair nas graças do público. Ele entregou o projeto a Gunpei Yokoi, que, em 1983, produziria um videogame chamado Family Computer, ou, como é mais conhecido, Famicom.
Famicon foi produzido para ser o melhor console caseiro já lançado. Yamauchi estava muito confiante no lançamento do console, tanto que queria um lançamento estrondoso. Havia o problema da quantidade: as empresas elétricas se recusavam a produzir o console porque não havia certeza de vendas. Yamauchi foi além e prometeu que venderia mais de três milhões de unidades em dois anos. Uma companhia elétrica aceitou o desafio e a aposta, e produziu o console. Custando o equivalente a 100 dólares desde o lançamento, um preço razoavelmente baixo para um produto de tecnologia na época, o videogame vendia que nem água. Surpreendentemente, ultrapassou a marca de três milhões de unidades bem antes de dois anos. Quando a Nintendo se deu conta, já havia vendido mais de quatro milhões de unidades e o número crescia cada vez mais.
Boa parte do sucesso do console se devia aos games. A maioria dos jogos iniciais do console eram adaptações caseiras de clássicos dos arcades, o que já rendia ao console uma popularidade interessante. Mas novos jogos eram produzidos para o console a cada mês. Yamauchi era o único responsável pela seleção de quais jogos seriam publicados ou não. Ele nunca havia jogado video game na sua vida, mas tinha uma intuição inacreditável para negócios. Acompanhando as tendências de mercado e os gêneros mais populares, Yamauchi selecionava os jogos sempre através da intuição. Ele só via os jogos depois que estivessem prontos, e indicava o que tal jogo precisava melhorar ou se devia ou não dar uma chance.
Outra coisa que ficou marcada é a busca por competitividade entre funcionários dentro da própria Nintendo. Yamauchi criou diversos grupos de desenvolvimento de games dentro da empresa, cada um com um jogo diferente entre si, e os colocava para competir entre eles. A competição interna saudável criou vários jogos de excelente qualidade, e que ainda seriam lançados por anos e anos a fio. Com esse método de disputa interna, a Nintendo se tornou um paraíso para artistas e desenvolvedores habilidosos e talentosos, que viam uma oportunidade de ouro de construir sua carreira. Não seria à toa que a Nintendo conseguiria ter em seu plantel diversos artistas renomados e tantos desenvolvedores que, cada um à sua maneira, escreveriam seu nome na história dos games.
Sendo assim, a maioria dos desenvolvedores se preocupavam em agradar Yamauchi. Todos os jogos que agradavam Yamauchi seriam lançados, e como eles tinham de ser apresentados prontos, isso criava um clima enorme de tensão entre os funcionários. Preparar um jogo e mostrá-lo a Yamauchi era sempre um desafio. Caso Yamauchi gostasse do jogo, o grupo era elogiado e incentivado a produzir mais games. Caso o jogo fosse rejeitado, Yamauchi também sabia ser cruel. Algumas rejeições eram devastadoras, e equipes inteiras desistiam e se demitiam perante a pressão.
PARTE 6 - O DESAFIO DA AMÉRICA
Hiroshi Yamauchi já havia conseguido estabelecer um nome muito importante no Japão. Mas o mercado de games crescia ainda mais exponencialmente na América, onde muitas novas empresas começavam e outras estavam tomando conta do mercado internacional. Ele queria ter a oportunidade de poder ir para a América e estender o alcance da Nintendo para lá. Mas já estava velho demais para uma aventura transoceânica. Ele precisaria montar uma sede lá, e isso exigiria que ele morasse lá. Aos 57 anos, já não se via em condições de mudar de residência e aguentar a diferença climática para a América. Vale lembrar que Yamauchi já tinha uma vida consolidada e feliz, e três filhos, todos acostumados com o Japão.
Yoko Yamauchi, sua primeira filha, se casou com Minoru Arakawa, um importante empresário herdeiro de uma indústria têxtil muito conhecida no Japão, mas que estava se aventurando no ramo da construção.
Arakawa se mudou para Canadá, junto com a Yoko, onde fazia fortuna construindo hotéis luxuosos e grandes prédios comerciais. Fujiko, sua segunda filha, ficou no Japão e se casou com um médico respeitado. Já Katsuhito, seu filho mais novo, tinha cerca de 24 anos e estava começando a carreira em uma empresa de publicidade e propaganda chamada Detsu.
Hiroshi se considerava velho demais para ir aos Estados Unidos começar a expansão da marca Nintendo, mas não queria que a sub-sede fosse criada e administrada por alguém de fora de sua família. Pensou inicialmente em Katsuhito, mas ele era jovem e inexperiente demais para conseguir sucesso com algo tão importante e que exigisse tanto empenho. O próprio Hiroshi era muito jovem (apenas 22 anos) quando assumiu a presidência da Nintendo, e sabia como era perder a juventude e o apoio da família por conta do trabalho. Ele não queria o mesmo destino para seu próprio filho.
Por outro lado, seu genro Arakawa era uma excelente ideia. Ele residia no Canadá, com sua filha, Yoko, e já havia morado por alguns anos nos Estados Unidos. Como empreendedor do ramo dos imóveis, podia não saber nada sobre eletrônicos ou videogames, mas sabia muito sobre negócios e conhecia a pressão de se tomar uma atitude de alto investimento. Também conhecia pessoas influentes e tinha a iniciativa dos jovens. Seria o nome ideal. Sendo assim, Yamauchi contratou Arakawa e o tornou o representante oficial da Nintendo na América.
O console Famicon foi lançado nos Estados Unidos em 1985, com o nome de Nintendo Entertainment System, e já vinha com Super Mario Bros., uma das mais notáveis e rentáveis criações do já reconhecidamente gênio Shigeru Miyamoto. O trabalho de marketing e de recepção de produto foi muito bem feito, e o console fez um sucesso extraordinário. Não demorou para que o console se tornasse o mais bem vendido de até então.
Hiroshi Yamauchi e Minoru Arakawa criaram um forte laço de respeito e amizade profissional. Ambos eram bem diferentes entre si, mas suas qualidades combinadas eram inquestionáveis. Ambos eram decididos e tinham personalidade forte. Hiroshi deu a Arakawa total autonomia para tomar as decisões que quisesse com sua parte no investimento na América, e ele não decepcionava. Sempre acertava nas negociações, o lucro não demorou a chegar e em pouco tempo, com a supervisão de Arakawa, a Nintendo of America já era um sucesso absoluto.
No começo dos anos 90, um time tradicional de beisebol de Seattle, o Seattle Mariners, contraiu muitas dívidas e se colocou à venda. Slate Gordon, senador de Washington e amigo pessoal de Arakawa, pediu a ele que encontrasse um investidor no Oriente que quisesse comprar o time de modo que ele não fechasse as portas e não saísse de Seattle. Arakawa deu a ideia a Hiroshi. Mesmo sem nunca ter assistido a um jogo sequer de beisebol e nem gostar de beisebol, Yamauchi aceitou a proposta e comprou o Seattle Mariners, apenas pelo investimento e visando o lucro. De início, o comitê do clube foi contra a ideia de um japonês comprar um clube de beisebol americano, mas a ofensa foi considerava preconceituosa e racista pelo judiciário americano e Hiroshi teve seu direito de comprar o clube concedido. Mesmo à distância e sem nunca ter ido assistir a um jogo, a gestão de Hiroshi reviveu o clube. Jogadores da liga japonesa passaram e irem pertencer à liga americana, feito que até então nunca havia sido feito, quebrando assim as barreiras do preconceito. Seattle Mariners voltou a tomar um rumo, e, a partir de 2000, voltou a gerar um bom lucro, o que agradou bastante Yamauchi.
PARTE 7 - DESPEDIDA DE YOKOI
Em 1990, a Nintendo lançou o Super Famicom, conhecido no ocidente como Super Nintendo Entertainment System, na tentativa de manter a sua supremacia no ramo.
E o videogame novamente faria história, como sendo um sucesso tão grande quanto o anterior. Com mais poder, gráficos melhores, mais capacidade sonora e a mesma atenção para a qualidade dos games, o console foi um dos últimos a ser lançado na era 16 bits e logo se tornou o líder de vendas, despontando o Mega Drive. Com a ajuda de chips que podiam ser trocados e atualizados, o videogame se mostrava adaptável ao tempo e completamente reutilizável, além de ser barato, o que permitia a todos poderem ter o console em casa por muitos e muitos anos.
O fato triste para a Nintendo é que Gunpei Yokoi já estava planejando sua aposentadoria. Já com quase 30 anos de Nintendo, e com 53 anos, Yokoi trabalhava demais, quase sem descanso, e, apesar da notoriedade e da genialidade, estava contraindo doenças e se sentindo mais e mais fraco a cada ano. Achava melhor se aposentar enquanto ainda tinha saúde para poder aproveitar o restante da vida. Queria se despedir da Nintendo com um grande projeto, no entanto. Ele deu sequência a um projeto que estava desenvolvendo há anos: um videogame completamente 3D, que tivesse como intenção simular uma realidade alternativa ao redor do usuário, e que fosse completo como um todo, sem a necessidade da televisão. Era um projeto engenhoso e difícil.
Porém, a disputa comercial do ramo dos videogames se intensificava cada vez mais. Com a pressão da concorrência, a Nintendo precisava lançar um novo concorrente no mercado logo. Quanto mais os investimentos iam para a produção do Nintendo 64, menos dinheiro era investido no projeto do videogame 3D. Visto como um fardo, a diretoria da empresa exigiu que o videogame fosse lançado logo, para dar fim aos custos de produção. Com a finalização apressada, as pesquisas foram terminadas e o console concluído. Gunpei Yokoi bravava que o console não estava pronto e que ainda não tinha alcançado o seu potencial. Pediu mais tempo. Mas não lhe deram tempo. E, assim, em 1995, o Virtual Boy foi lançado.
Virtual Boy foi um enorme fracasso comercial. Vendido na América pelo preço de 180 dólares, não conseguiu nem bater as metas mínimas de vendas. Apesar das enormes campanhas de marketing e da mídia totalmente a favor de um grande sucesso, o console era fraco demais e tinha poucos jogos bons. A Nintendo esperava 3 milhões de unidades vendidas e 14 milhões de jogos vendidos. Vendeu 1 milhão e meio de unidades e pouco mais de 2 milhões e meio de jogos. A decepção foi tão grande que o console foi tirado das lojas no final do mesmo ano e todos os jogos prometidos para o console para o ano que vem foram simplesmente cancelados sem mais e nem menos.
E assim, Gunpei Yokoi pediu demissão em 15 de agosto de 1996, após 31 anos trabalhando para a Nintendo. Claro que ele não esperava se aposentar tendo um fracasso como seu último trabalho (não por culpa dele, na verdade, já que ele havia avisado que o console não estava pronto para ser comercializado), e até por isso ele ajudou a desenvolver o console portátil Game Boy Pocket como uma forma de agradecimento à empresa. Independentemente disso, seu nome será eternamente lembrado dentro da empresa como o de um grande gênio, um engenheiro habilidoso e visionário que ajudou Yamauchi e elevar a Nintendo ao patamar no qual se encontra hoje.
No entanto, Yokoi não parou de trabalhar completamente. Após sair da Nintendo, Yokoi e alguns subordinados formaram uma empresa chamada Koto, como uma forma de investir todo o dinheiro que foi acumulado no decorrer de todos esses anos. Yokoi ainda faria alguns trabalhos esporádicos para algumas empresas. Seu último trabalho foi desenvolver para a Bandai o console portátil WonderSwan, que seria lançado apenas em 1999. Ele jamais veria o lançamento desse console. Em 4 de outubro de 1997, enquanto dirigia pela via expressa Hokuriku, com seu sócio Etsuo Kiso, Yokoi bateu na traseira de um caminhão. Ele não morreu na batida, mal se machucou. Porém, ao sair do carro para avariar os danos, foi atropelado por um outro carro que passava pela via e faleceu na hora. Yokoi ainda receberia uma homenagem póstuma da GameTrailers em 2003, como um dos principais desenvolvedores da história dos games.
PARTE 8 - SUCESSÃO
Após a aposentadoria de Gunpei Yokoi, Yamauchi começou a cogitar a sua própria aposentadoria. A presidência de uma empresa do nível da Nintendo é um trabalho extenuante e desgastante, ainda mais quando se chega a uma idade avançada. Yamauchi já tinha 69 anos, uma idade no qual a maioria dos presidentes de corporações cediam seu lugar aos mais jovens. Ele estava na presidência há 47 anos, já havia perdido muito de sua vida em prol da empresa, tinha se afastado demais de sua família. Não via mais os filhos, não encontrava tempo para nada, e vivia sobre um constante estresse e pressão. Até então, Yamauchi não havia mencionado qualquer palavra sobre aposentadoria ou legado. Foi após o lançamento do Nintendo 64, em 1996, que Yamauchi começou a deixar claro que precisava descansar.
Porém, em 1999, Yamauchi revisou seus planos de aposentadoria. Após o lançamento do Nintendo 64 e de seus problemas com a produção de games, a Nintendo começou a desenvolver um novo console, apelidado previamente de Dolphin. O console seria sua última carta na manga antes da aposentadoria, e ele queria que fosse um sucesso. Trabalhou de corpo e alma no lançamento do novo console, m 2001, que seria então chamado de Nintendo Gamecube.
Gamecube lançado, Yamauchi já podia começar a planejar a sua aposentadoria. Mas ele precisava também pensar no nome de seu sucessor. Quem poderia lhe suceder e continuar o forte legado da Nintendo na indústria dos games? Vários nomes lhe interessavam.
Para começar, claro, Minoru Arakawa, seu genro e homem de confiança, que vinha fazendo um excelente trabalho como presidente da Nintendo of America. Porém, alguns fatores impediam que ele fosse considerado seu sucessor. Minoru era habilidoso e competente, porém era considerado pelos acionistas e pela diretoria como uma pessoa afável demais, e mente aberta demais, capaz de mudar de ideia rápido e gostar de aventuras e coisas novas. Isso poderia ser prejudicial para uma empresa de grande porte, tradicional e com um passado de poucas variações como a Nintendo. E Minoru também não estava nada interessado em presidir a empresa diretamente do Japão, já que ele e toda a sua família estavam muito bem acomodados com sua vida nos Estados Unidos. E, como a sede da empresa era no Japão, ele precisaria se mudar para lá, e a ideia não lhe agradava.
Outro nome a ser pensado era Atusho Asada, ex-vice-presidente da Sharp que foi contratado pela Nintendo e logo subiu sua carreira até se tornar vice-presidente. Era o nome mais provável, claro, pois também era um dos homens de confiança de Yamauchi. Era experiente, decidido e agradava a diretoria. Outro nome de peso para o cargo era o braço direito de Yamauchi, Hiroshi Imanishi. Porém, Imanishi ainda era jovem, e ele mesmo aconselhava Yamauchi e escolher Asada, que era mais experiente e poderia aguentar melhor o tranco de ser presidente de uma empresa do porte da Nintendo.
Correndo por fora, estava seu próprio filho, Katsuhito Yamauchi. Após sair da empresa de publicidade Detsu, Yamauchi pensou em preparar seu filho para ser seu sucessor. O contratou para a Nintendo, em um cargo corporativo no Canadá. Porém, ele não se deu nada bem, pela sua baixa experiência com negócios, e também pela barreira linguística (ele tinha dificuldades para falar inglês). Seu cargo durou apenas um ano. Desiludido, Arakawa ajudou Katsuhito a abrir a sua própria empresa em Vancouver, para que pudesse ir pegando experiência administrativa. A empresa começou muito bem, inicialmente vendendo produtos da Nintendo, para depois ir se desenvolvendo por conta própria. Katsuhito conseguiu fechar negócios importantes, dando orgulho para seu pai, que tinha seu nome cada vez mais em mente.
Por fim, Yamauchi tomou a sua decisão.
PARTE 9 - UM LEGADO PARA A ETERNIDADE
Em 31 de maio de 2002, Yamauchi anunciou a sua aposentadoria. E, para surpresa de todos, seu sucessor seria alguém até então não questionado pela mídia: Satoru Iwata, chefe da divisão de planejamento da Nintendo.
Iwata se tornaria o mais novo presidente da empresa, responsável por dar continuidade a toda a filosofia imposta pela empresa no decorrer dos anos. Já experiente no momento de sua posse (ele tinha 44 anos quando se tornou presidente), foi o primeiro presidente da Nintendo a não ter relação com a família Yamauchi. Formado em Ciências da Computação pela Tokyo Institute of Technology, trabalha com jogos eletrônicos desde o Ensino Médio, quando trabalhava na Hal Technology, e fez seu nome como um dos mais promissores desenvolvedores. Foi contratado pela Nintendo em 2000, já como chefe da divisão de planejamento. E se tornou presidente da empresa por opção de Hiroshi Yamauchi.
Após ceder a cadeira presidencial, Yamauchi ainda continuaria trabalhando como chefe da diretoria da Nintendo, já que era o maior acionista. Em 29 de junho de 2005, já com 78 anos, sua idade não lhe permitia mais trabalhar devidamente, e ele decidiu abandonar completamente a empresa. Ciente de que estava deixando a empresa em boas mãos, deixou a empresa aliviado e satisfeito com seu trabalho. Yamauchi abriu mão da sua pensão de aposentadoria, avaliada em 9 milhões de dólares, afirmando que já tinha dinheiro o suficiente que a Nintendo poderia investir aquele dinheiro melhor do que ele.
Em 2008, uma pesquisa pela revista Forbes identificou Hiroshi Yamauchi como o homem mais rico do Japão, com uma fortuna acumulada de 7,8 bilhões de dólares. Sua fortuna também era grande devido ao fato de ele ter se mantido como o maior acionista da Nintendo. Ele decidiu vender boa parte das ações da Nintendo que ainda tinha, ficando com apenas 10%. Com a grana que gerou, abriu um centro de tratamento de câncer em Kyoto. Depois disso, ele passou a viver uma vida pacata em Kyoto, junto de sua família, e finalmente pôde aproveitar um pouco mais a vida, sem a pressão que veio administrando desde os 22 anos de idade, como presidente da Nintendo.
Por fim, em 19 de setembro de 2013, Hiroshi Yamauchi veio a falecer por complicações em um quadro de pneumonia. Ele foi internado à pressas no hospital e não resistiu. Essa triste notícia colocou fim na brilhante trajetória de vida de um dos homens mais influentes da história dos games. O homem que assumiu o cargo de presidente da Nintendo aos 22 anos, quando a empresa ainda era fabricante de cartas de jogo Hanafuda, e a transformou em uma das maiores fabricantes de hardware e software direcionado à indústria que mais cresce no mundo, a indústria dos games. O homem que revolucionou não só uma empresa, como toda a indústria, tendo participação importante no desenvolvimento de um mercado que chegou a estar fadado ao fracasso. Um líder nato que recebeu homenagens merecidas não só de integrantes da Nintendo, como de todas as grandes empresas de tecnologia e jogos eletrônicos do mundo.
Descanse em paz, Hiroshi Yamauchi.
E esta foi a biografia do eterno e inesquecível Hiroshi Yamauchi. Seu nome estará eternamente gravado na cabeça de muitos gamers, e essa homenagem tem por objetivo espalhar o conhecimento sobre quem foi esse grande homem. Gostou da nossa homenagem? Tem algo a dizer? Comente.